A Soma foi à festa, mas isso não significa que acompanhamos a premiação em tempo real. Na verdade, como logo percebemos, o pior lugar para acompanhar o VMB era justamente o VMB: muita coisa rolando ao mesmo tempo, pouca sinalização e, quando as pessoas conseguiam se localizar, descobriam que era quase impossível entrar no já citado Estúdio A. Do lado de fora, só dava pra acompanhar o que rolava por meio de TVs mudas, ou então pelas redes sociais. Nos restou ficar ali pelo bar enchendo a cara com os amigos, o que nem de longe pode ser classificado como ruim.
De qualquer forma, achamos honesto ver a reprise pela TV antes de comentar alguma coisa. Não vamos divulgar quem ganhou o quê; se você ainda não sabe, veja direto no site do prêmio. Mas achamos que vale uma seleção com o melhor e o pior do VMB 2011:
VMB 2011 . O Melhor
1) O freestyle do Emicida no final
O improviso do Emicida no final foi o que melhor sintetizou a importância e a essência do que está rolando não só com o rap, mas com a música brasileira em geral hoje. A “Oração do Laboratório Fantasma”, como ele chamou, tinha pérolas como “Somos o MST das mídias sociais” e “Isso é a reforma agrária da música brasileira”. Anos antes de resolverem chiar contra o “lulismo” da nova geração, o rapper e caras como Macaco Bong e Gaby Amarantos se jogaram na realidade pós-indústria do disco e inventaram caminhos próprios, num país que ensinava ao mundo o charme de ser uma potência periférica. Ainda surpreende que muita gente não entenda isso, mas o freestyle do Emicida deixou ainda mais claro como certos discursos e posturas ficaram enterrados no século passado. Veja abaixo como é um discurso-símbolo de 2011:
Ok, o Criolo semitonou na entrada. Ok, o Caetano esqueceu a letra (aliás, Emetevê 1 x 1 Caetano?). Mesmo assim, o encontro entre esses dois estudiosos da alma paulistana foi tão histórico como prevíamos. Desnecessário especular sobre o quanto significou para Criolo; para Caetano, foi a oportunidade de participar de mais um momento central no debate sobre a música brasileira. A entrega de ambos e da banda no palco foi uma celebração ao que de mais importante a música popular tem a oferecer: a capacidade de ler e influenciar a experiência humana, nos conectando a sentimentos intraduzíveis com mais força e profundidade do que qualquer outra forma de arte.
Trash/estilosa, regional/cosmopolita, pop/underground, irônica/autêntica. A Banda Uó é quase boa demais pra ser verdade. “Shake de Amor” une o melhor da tradição tecnomelody: um hit gringo (“Whip My Hair”, de Willow Smith) bastardizado por letras brasileiras e aquela mistura marota de calipso, carimbó e tecladinhos brega. Porém, ao contrário de grupos paraenses como a Gang do Eletro, o trio goianiense alia estilo e ironia a um grande senso de auto-humor, que elimina o indesejável elemento “piada involuntária” da jogada. Adicione à conta um belo talento para criar refrões (“Vou me vingar de você” já virou meme), e o que tinha tudo pra ser uma bobagem hipster se transformou na melhor descoberta pop de 2011. Fico pensando o que aconteceria se um dia eles esbarrassem com o Javelin ou o Gang Gang Dance.
Em questão de meses, Luisa Marilac saltou do posto de desconhecida para uma febre da internet. Daí a se tornar um dos principais leads criativos do VMB, foi um pulo – ou um mergulho e um flash. As já célebres frases do seu vídeo estavam por todo lugar: nas vinhetas, nas falas dos apresentadores, na fala dela própria. E o esquete da transexual mais bon vivant do Brasil ao lado do PC Siqueira foi um dos melhores da noite. Imagino o que deve estar pensando o famigerado autor dos rumores de que ela estava na pior.
Em mais um ano à frente do VMB, Adnet segue comprovando que foi uma das melhores descobertas da emissora nos últimos anos. Além de grande imitador e dono de tiradas curtas e certeiras, o fato de cantar e compor faz dele o melhor mestre de cerimônias do Brasil hoje. Adnet é tão bom que conseguiu fazer o Dinho Ouro Preto atuar em um dos esquetes mais engraçados da noite. Menções honrosas a Dani Calabresa (aliás, poderiam deixar ela apresentar um ano desses) e Bento Ribeiro.
O constrangimento sempre fez parte do humor. Mas nunca, como nos últimos 10 anos, essa faceta foi tão explorada – e não estou falando das ofensas de um Rafinha Bastos, gratuitas e sem um pingo de graça, mas de séries como The Office, Curb Your Enthusiasm e Flight of the Conchords, e de filmes como Napoleon Dynamite, produzido pela MTV estadunidense. Tatá Werneck domina esse estilo de comédia como ninguém na TV brasileira. No palco do Lado B do VMB, ela aceitou o risco e se jogou abertamente na tênue fronteira entre a graça e a completa falta dela. Pensem que, além de se exibir para milhares de pessoas, se trata de uma comediante jovem, em um país conhecido pelo humor francamente misógino. Poucos conseguem andar por essa corda bamba e sair dela com algo realmente engraçado. Na noite de quinta, a Roxanne de Tatá se saiu com frases como “prefiro ser essa metade de modess ambulante” e “eu quero beijar um anão”. Os fãs do (bom) humor constrangedor agradecem.
E todo mundo cantou junto. Vitinho ishculacha.
1) Rap 2 x Rock 0
Se a MTV avançou em relação ao rap e aos sons do interior do país, no rock a coisa segue mal. Não vou entrar no mérito de bandas como Restart, NX Zero e Rancore (as duas primeiras ao menos têm um imenso respaldo popular, já a terceira… deixa pra lá). Mas alguém me explica que catzo era aquela banda gringa chupada de Strokes/Killers e afins? Googlando aqui, vi que se chama One Night Only e é inglesa. Que o rock inglês está um lixo há muito tempo todo mundo sabe, mas eu não imaginava que estava nesse nível. É como se eles tivessem conseguido produzir uma banda de playboy da Pompeia circa 1967, da turma que achava o Mutantes uma porcaria. Talvez a MTV precisasse agradar um patrocinador, o que a gente entenderia caso eles compensassem por outro lado. Mas quais foram os outros momentos do rock na noite? O combo Nação, Seu Jorge, Emicida, Macaco Bong e Guizado tocando Tim Maia foi legal, mas não foi exatamente rock. Erasmo e cia? Uma homenagem bem-intencionada, mas de resultado sofrível (com todo nosso respeito ao Tremendão). Marina Lima? Essa merece um tópico à parte. E não é o caso de não termos boas bandas de rock. 2011 foi o ano em que o TEST fez isto e isto. Tem ainda o Silva,Bonifrate, Lê Almeida, Estudantes, Nuda, Elma, Dizzaster. Sem falar no Fernando Catatau, que além do Cidadão Instigado tá com o Instrumental. Enfim, é só querer.
2) O show da Marina Lima
Fisicamente, a Marina envelheceu muito bem. Musicalmente, o revival dela é algo que até agora eu não entendi. Sei que Tulipa, Karina e Nina Becker encampam essa de revalorizar o rock brasileiro dos anos oitenta, e não nego que elas conseguem resultados bons. Mas, no caso desse show com a Marina, o efeito foi o contrário. É como se a parceria expusesse grandes fragilidades desse projeto: o encontro entre uma artista do passado que não soube se reinventar e artistas jovens que não sabem muito bem o que querem com isso tudo.
Aqui, só queria comentar que 2011 foi o ano em que Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Thiago França lançaram Metá Metá e que Rodrigo Caçapa lançou Elefantes da Rua Nova.
4) Cazé
Alguém mais achou que o Cazé perdeu a mão nas entrevistas? Ou ele sempre foi assim superíntimo dos artistas (brecha que o Criolo não quis dar pra ele)?
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É isso, ano que vem tem mais, se não boicotarem a gente depois dessa!