Um dos mais brilhantes artistas brasileiros sem dúvida alguma é Candido Portinari. Com suas pinturas e ilustrações, Portinari retratou mais do que a história e as transformações que o Brasil sofria, mas com maior excelência, soube expor o sentimentalismo eexpressividade que o brasileiro tem desde os primórdios.
O intuito desta coluna, entretanto, não é falar da obra desse artista, o que desgastaria tempo e muita pesquisa, mas atentar a nós, cidadãos brasileiros, de que podemos estar mais perto da magia de Portinari do que imaginávamos.
Quero contar a história dos painéis Guerra e Paz, que tem no seu simbolismo a mesma grandeza de seu tamanho físico.
Guerra e…
Paz!
Vinte e oito placas de madeira, de mais ou menos 75kg cada uma, compõem a mais famosa obra de Candido Portinari. Com 14m de altura x 10m de largura cada painel, os trabalhos monumentais são de propiedade da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York.
As obras, que precisaram de 180 estudos do artista para ser desenvolvidas, tiveram uma única exibição no Brasil, em fevereiro de 1956, no Rio de Janeiro, e em dezembro do ano passado, voltaram ao país, onde permanecem até 2013.
Alguns dos 180 estudos feitos por Portinari em grafite e crayon para compor Guerra e Paz
João Candido Portinari, filho do artista, conseguiu a guarda das peças sob a condição de entregá-las restauradas enquanto o prédio da ONU passa por reformas.
Para nós brasileiros, não podia existir acordo melhor, uma vez que não só a obra estará exposta, mas quem quiser pode acompanhar todo o trabalho de restauração das mesmas.
Restauração em andamento aberta ao público
Guerra e Paz foi uma encomenda do governo de Getulio Vargas, feita a Portinari em 1952, de presente para as Nações Unidas. Enviada em 1956 para Nova York, permaneceu por lá até seu retorno ao nosso país. Os painéis foram classificados pelo então secretário-geral da organização, o sueco Dag Hammarskjöld, como “a mais importante obra de arte monumental” doada às Nações Unidas.
A simbologia em torno da obra vai desde o delicado quadro de saúde que Candido Portinari se encontrava, até o artista nunca ter visto sua obra exposta no prédio da ONU.
Quando recebeu a encomenda, Portinari estava com a saúde comprometida pela intoxicação causada pelo uso de tintas que tinham chumbo entre seus componentes. Mesmo proibido pelos médicos, Portinari aceitou a tarefa e produziu a obra.
Além disso, Portinari tinha ideais políticos que não eram bem vistos pelo governo americano, o que fez com que o visto ao artista fosse negado, o impossibilitando de comparecer na abertura da exposição dos painéis. Um tempo depois, o artista, em seu orgulho, disse que só iria se fosse oficialmente convidado pelo governo americano, o que não aconteceu e novamente ele não obteve sucesso para visitar sua obra.
O mais interessante da obra, é o trabalho de contraste entre os dois painéis que o artista conseguiu retratar, não só pela separação em dois murais, um da Guerra e outro da Paz, mas no uso de tons mais claros e solares representando alegria e harmonia no quadro da paz e tons neutros e escuros no quadro da guerra. As expressões dos personagens retratados na obra também são bem distintas, de um lado, mãos que lamentam e clamam por piedade, sofrimento e mães que choram a perda de seus filhos; do outro, crianças brincam e gozam de toda sua simplicidade e liberdade, as pessoas sorriem e se tem a impressão de que cantam!
A obra esteve ‘exposta’ no Palácio Gustavo Capanema, onde foi restaurada em uma oficina aberta que pode ser visitada pelo público até maio de 2011.
Restauração no Palácio Gustavo Capanema
Atualmente, restaurados, os murais serão exibidos em São Paulo, no Grand Palais de Paris, no Museu da Paz de Hiroshima no Japão, no CERN de Genebra, no City Hall de Oslo e no Moma de Nova York, até 2013 quando serão devolvidos à ONU, segundo a Fundação Portinari.
Portinari não viu a obra que mais gostou de criar, exposta no prédio da ONU. Segundo João Candido Filho, Guerra e Paz são as últimas pinturas do pai, que logo depois da conclusão dos painéis, veio a falecer.
É emocionante imaginar que depois de tanto tempo, nós brasileiros, teremos oportunidade de ver a obra principal de nosso maior pintor.
E mais emocionante ainda é saber retirar dessa obra a essência que Portinari sempre transmitiu, de que por mais problemas e dificuldades que o povo brasileiro enfrentasse, o caminho da felicidade e da paz, eram as coisas simples da vida, o contato com a natureza, o afeto entre amigos, etc.
Uma das placas que compõe o mural Guerra e Paz
Mais informações para quem se interessou em visitar a restauração da obra, acesse http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/efe/2011/02/02/atelie-exibe-restauracao-de-murais-de-portinari-no-rio-de-janeiro.jhtm
Deixo também um Soneto de Vinícius em homenagem a nosso artista:
Sonetinho a Portinari
O pintor pequeno
O grande pintor
Ruim como um veneno
Bom como uma flor
O grande pintor
Ruim como um veneno
Bom como uma flor
Vi-o da Inglaterra
Uma tarde, vi-o
No ermo, vadio
Brodóvski onde a terra
Uma tarde, vi-o
No ermo, vadio
Brodóvski onde a terra
É cor de pintura
Muito louro, vi-o
Dentro da moldura
Muito louro, vi-o
Dentro da moldura
De um quadro de aurora
O olhar azul frio:
– Lá ia ele embora…
O olhar azul frio:
– Lá ia ele embora…
Vinícius de Moraes
Beijo e até a próxima!