Festa no mar

bolsa de mulher

por Fernando Puga

Dois de fevereiro é dia de Iemanjá, a rainha das águas salgadas

Dia dois de fevereiro é dia de festa no mar, como diz a canção de Dorival Caymmi, feita em homenagem a Iemanjá. Mito que atravessou o Atlântico, vindo da África, ele se instalou na cultura brasileira e se transformou em sinônimo de tolerância, esperança e carinho. Festejada no país do sincretismo por gente de todas as religiões, classes sociais e níveis culturais, Iemanjá é a rainha das águas salgadas e espécie de padroeira afetiva do litoral brasileiro.

Conta a história que Iemanjá seria filha de Olokum – na região do Daomé, atual Benin, considerado deus e, em Ifé, deusa do mar. Em uma lenda de Ifé, ela aparece casada pela primeira vez com Orunmilá, senhor das adivinhações, depois com Olofin, rei de Ifé, com quem teve dez filhos. Cansada de sua permanência no lugar, Iemanjá foge em direção ao oeste, o Entardecer da Terra. Olofin, então, lançou o exército a sua procura e a orixá, temendo o perigo, quebrou uma garrafa contendo um preparado que Olokum havia lhe dado, com a recomendação de que a atirasse ao chão ao pressentir algum risco. Formou-se, então, um rio que a tragou e a levou para o oceano, morada de seu pai.

Outra lenda conta que a origem de Iemanjá se deu depois que ela, de tanto chorar com o rompimento com seu filho Oxossi, que a abandonou e foi viver na mata com o irmão renegado Oçanhe, se derreteu e transformou-se em rio, que foi desembocar no mar. Em Ifé, Iemanjá é mãe de quase todos os orixás de origem iorubá, com exceção de Logunedé, e é a rainha das águas salgadas: as provocadas pelo choro da mãe que sofre pela vida dos filhos que se afastam de seu abrigo e as do mar, sua morada, onde costuma receber os presentes e oferendas dos devotos, como espelhinhos, alfazema, flores brancas e champanhe, sua bebida preferida.

“As esculturas com a imagem e representações ilustrativas de Iemanjá mostram uma mulher morena, de longos cabelos escuros, vestes brancas e seios exuberantes, numa evocação à fertilidade e à figura materna.”

Na África, as esculturas com a imagem e representações ilustrativas de Iemanjá mostram uma mulher morena, de longos cabelos escuros, vestes brancas e seios exuberantes, numa evocação à fertilidade e à figura materna. No candomblé, a santa veste uma saia rodada, bata de renda, estola e, na cabeça, um gorro de pêlo branco ou uma espécie de mitra, de onde pende uma franja de contas, encobrindo-lhe o rosto. Iemanjá dança com movimentos que imitam as ondas do mar e recebe a saudação dos que estão no terreiro: “odoiá!”, que significa, segundo o etnólogo e babalaô Pierre Verger, “mãe do rio”.

No Brasil, o mito chegou junto com a cultura africana e os escravos, a partir de meados do século XVI. Os jesuítas portugueses tentaram forçar o catecismo dos africanos, impondo-lhes rituais e mitos. Em defesa de suas religiões, os negros aproximaram os santos católicos de seus orixás e iniciando um processo de sincretismo. “Iemanjá foi sincretizada como Nossa Senhora. Por isso, as comemorações do dia de Iemenjá variam de região para região. Por exemplo, na Bahia, ela acontece no 2 de fevereiro, que é dia de Nossa Senhora dos Navegantes. No Rio, é em 15 de agosto, festa de nossa Senhora da Glória; em Pernambuco, Nossa Senhora do Carmelo, e assim por diante. Mas os dias em que as homenagens são mais comuns no país todo são mesmo o 2 de fevereiro e o 31 de dezembro, quando as pessoas no litoral vão pedir proteção a Iemanjá para o ano que vai começar”, explica o antropólogo e estudioso de religiões afro-brasileiras, Marcelo Vermelho.

Os filhos de Iemanjá expandem as características sugeridas pela descrição dos mitos e lendas da orixá. Gostam de luxo, de viver em ambientes confortáveis e por isso cuidam bem de suas casas, mesmo quando não têm muitos recursos. Não são apreciadores de uma vida solitária e acabam justando-se ou casando-se cedo. São também pessoas muito diretas, com força e determinação, forte sentido de amizade e companheirismo e presas ao arquétipo de mãe. “Os filhos de Iemanjá gostam do cotidiano, da rotina, são um tanto avessos a mudanças. Podem parecer rígidos a princípio, mesmo porque não costumam se envolver rapidamente. Em compensação, depois se entregam profundamente. Quem as conhece sabe que são figuras doces, carinhosas e muito solidárias aos problemas dos outros. Tanto, que às vezes podem até ser intrometidas demais”, comenta a estudiosa francesa Maria Elise Glénet, radicada no Brasil há vinte anos, onde acabou se tornando mãe-de-santo.

“É um espelho da mulher desse povo, que gosta da água, que gosta do mar.”

Ela conta que no nosso país, com sua imensa extensão litorânea, Iemanjá se tornou uma orixá muito presente, senão a mais de todas. Para ela, a figura da santa foi sofrendo adaptações ao longo do tempo e acabou se aproximando da imagem da mulher brasileira. “Eu acho que, por isso, ela é uma entidade tão admirada, querida. O povo brasileiro tem enorme empatia por ela por ser uma figura de mulher que envolve vocação materna, doçura, compreensão e tolerância, sem deixar de lado a firmeza e valores como a hierarquia e o respeito. É um espelho da mulher desse povo, que gosta da água, que gosta do mar”, acredita Marie Elise.

Então, querendo aproveitar o dia de Iemanjá para fazer-lhe uma oferenda, agradecendo conquistas e pendido proteção, anote aí: na praia, ponha no mar, em um barquinho branco ou azul, vendido nas casas especializadas, maçãs, uvas, mamão, sete rosas brancas, um vidro com essência de alfazema e um espelhinho. Junte também um papel com seus pedidos, por escrito. Em seguida, abra um champanhe e despeje a bebida pelo corpo, enquanto repete os pedidos em voz alta. Por fim, acenda uma vela branca na areia. Odoiá!

2 thoughts on “Festa no mar

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