Belas Artes – Museu d’Orsay, Paris

O grande relógio interno, em bronze dourado, ao estilo Beaux Arts, começou a funcionar em 14 de julho de 1900, data da inauguração da estação ferroviária d´Orsay, construída para a abertura da Feira Universal de 1900, em Paris

Por:  Leticia Constant


A razão mais forte do meu amor pelo Musée d’Orsay não são coleções de mestres impressionistas, esculturas de Barrias, Rodin e Claudel ou o divino mobiliário Art Nouveau. A razão mais forte do meu amor pelo Musée d’Orsay é o fato de ter sido, no passado, uma estação de trem. Uma passarela de encontros e adeuses abafados por vagões em movimento, apitos, vapores ocultando algum nome gritado de longe sob o olhar tirânico de relógios gigantescos

Certas tardes, estudantes de Belas Artes se espalham em algumas de suas salas com cavaletes e telas, não se importando com os curiosos. Pincelam, voilà! Hoje eles são muitos, tão atraentes, mergulhados em si mesmos.

Sempre que deixo esse museu tenho a impressão de terminar uma viagem a um país desconhecido. Sempre, do lado de fora, seja manhã ou tarde, o dia se oferece pictórico em linhas e tons. Hesito em ir para o trabalho andando ou pegar o RER C, um dos trens suburbanos que atravessam Paris. Hoje, venceu o trem e a estação que também se chama Musée d’Orsay. O trajeto é curto, mas certamente terei tempo de pensar que esta linha tem como ponto final a pequena Pontoise, não longe de Auvers-sur-Oise, onde Van Gogh viveu seus últimos anos.

Entro no vagão de dois andares, subo a escada e enquanto procuro um lugar para sentar, elas aparecem. Redondas, adoráveis, excitadas, duas. Sotaque de Marselha, “desses sotaques que aquecem o sangue”. Elas me sufocam gentilmente, uma completando as frases da outra, não me deixando nenhuma brecha para eu tentar entender o que está acontecendo.

Mulher 1: “Você tem um talento, meu Deus, que maravilha, minha irmã e eu ficamos encantadas ao ver você pintando lá no museu…”

Mulher 2: “Eu disse a ela que você vai ter muito sucesso porque tem estilo! Você conhece o escritor americano Bukowski? Ele dizia que estilo é a resposta pra tudo!”

Mulher 1: “…Verdade, não tem nada parecido com seu jeito de pintar, os tons são vivos, vibrantes, mas você dá um efeito de tranquilidade, sem abrir mão da força da intenção.”

Eu: “Mas…”

Mulher 1: “Desde que entramos no museu e vimos você na frente daquela tela do Henri Rousseau…Como é mesmo o nome daquele quadro?”

Mulher 2: “La charmeuse de serpents… (A encantadora de serpentes)”

Mulher 1: “É… quando vimos você, dissemos uma para a outra ‘Esta moça é uma verdadeira artista’!”

Mulher 2: “E que sorte, acabamos te encontrando aqui no trem, quem diria, hein, Mireille?”

Mireille: “Ganhamos o nosso dia! E, além de tudo, você é tão simpática! Em geral, artistas são excêntricos, fechados, diferentes, é por isto que são artistas, não é?”

Irmã de Mireille: “Onde você estudou Belas Artes?”

Encruzilhada. Estação Pont L’Alma. Estação do dilema. Onde estudei Belas Artes? Ou onde eu não estudei Belas Artes? Os dois ou três segundos da campainha anunciam que a porta do trem vai fechar. Ser alguém que não sou ou ser o que sou e não ser alguém que elas pensam que sou.

– “Em Barcelona. Depois vim a Paris aperfeiçoar minha técnica de óleo sobre tela. Antes não tinha atelier, fazia mais acrílico sobre papel, em formatos menores.”

-“Ah! E como nasceu sua preferência pelas cores fortes?”

– “Sempre me senti atraída por tons berrantes, talvez porque no fundo sou muito tímida e jamais daria um grito em público, por exemplo (risadas). Acho que todo mundo carrega violência, sentimentos extremos, talvez nem seja original expressar isso com tons intensos, mas é a linguagem que traduz mais os meus desassossegos interiores.”

– “Eu acho que você faz isso com muita originalidade, não é, Mireille? Ouvimos várias pessoas comentando no museu que suas pinturas eram diferentes das dos outros.”

-“Não sei, mas obrigada…”

As duas trocaram algumas palavras em tom baixo e se voltaram para mim, em êxtase.

-“Olha, decidimos comprar um quadro seu. Onde fica o atelier?”

Dor no estômago.

-“Em Barcelona, continuo precisando dos ares mediterrâneos para criar.”

-“Ah! Você tem um cartão?”

– “Aqui, não. Mas deixem o número de vocês, eu entro em contato para enviar um catálogo.”

-“Moramos em Marselha, não é tão longe assim da Catalunha…” disse Mireille, rabiscando alguns números no folheto do museu.

-“Claro! O que é a distância para os artistas?” respondi, guardando o telefone.

– “E para quem ama os artistas?” disse a irmã de Mireille, dando uma piscadinha.

Estação Champ de Mars. Os dois ou três segundos da campainha alertam novamente os passageiros que a porta vai fechar. O trem parte lentamente, deixando na passarela minhas duas gordinhas adoráveis acenando com bocas abertas e todos os dentes, em graciosos pas de deux, até se derreterem na abstração das colunas, dos vultos, do ar.

Finalmente, sento no banco que me espera. O Sena aparece sob a ponte da Avenue du Président Kennedy, quantos objetos não devem dormir no fundo desse rio, eu penso, fechando os olhos e me perguntando se uma boa mentira também não faz parte das Belas Artes.

Por Leticia Constant

————————–

TASTE Curiosidades:

– Musée d’Orsay

O Musée d’Orsay situa-se na Rive Gauche, do outro lado do rio Sena encontra-se o Jardin des Tuileries. O acervo é constituído principalmente de obras de mestres franceses, realizadas entre 1848 e 1914, incluindo uma grande coleção de impressionistas. Alguns mestres da pintura nas paredes são Van Gogh, Renoir, Gauguin, Cezanne, Seurat, Monet, Manet, Degas, Sisley, Seurat e Pissaro, da escultura, vários nomes, entre os quais, Rodin, Claudel, Barrias, Carpeaux e Jacquemart. O espaço sofreu nove anos de reforma, ganhando um projeto interior inovador, que marcou novo rumo na exibição museológica, de autoria da arquiteta e designer italiana, Gae Aulenti. O projeto foi comissionado pelo presidente francês George Pompidou, notório amante das artes, e inaugurado, em 1986, pelo presidente François Miterrand.

O grandioso prédio, projetado ao estilo Beaux Arts por Victor Laloux, inaugurado em 1900, celebrou o advento da ferrovia e a inauguração da Feira Universal de 1900, em Paris.

O prédio em si só uma obra de arte, serviu como estação de trens até 1939. Na década de 70, quase foi demolido. O governo de Giscard d´Estaing impediu, tombando-o e propondo que o edifício fosse transformado em museu. Hoje, é um dos mais frequentados da França com visitação anual de cerca de três milhões. Abriga uma coleção com mais de seis mil obras entre telas, esculturas, fotografias e mobiliário e objetos das artes decorativas. Em funcionamento com o esplêndido décor original, o restaurante de L´Hotel d´Orsay da antiga gare (estação), no mesmo prédio, vale uma visita. Ideal reservar antes.

Outra curiosidade, no último andar, o Café de L´Horloge também conhecido como Café Campana. Na saída da Galeria dos Impressionistas está o café projetado pelos designers brasileiros, Irmãos Campana, Fernando e Humberto, com seu mobiliário lúdico, novíssimo, aberto em outubro de 2011. O café é localizado atrás do grande relógio de bronze dourado da estação! Um must nem que for para…un petit café!

E não deixe de ir ao topo do prédio, a vista é esplêndida dá para ver a cúpula da igreja de Sacre Coeur e a Tour Eiffel Ou seja, reserve um dia inteiro só para o Musée d´Orsay! alt

Vídeo de apresentação do museu:

www.musee-orsay.fr/fr/collections/video-de-presentation-du-musee.html

Museé d’Orsay

Entrada:

1, rue de la Légion d’Honneur

75007 Paris

www.museedorsay.fr

Reservas para os restaurantes do museu:

Tel: 01 45 49 47 03

restaurants.orsay.rv@elior.com

post

Deixe um comentário