Chanel Paris-Bombay 2011/12

Por:  Cynthia Garcia


 

A coleção Pre-Fall Métier d´Art de Chanel, Paris-Bombay 2011/12, aconteceu na terça (06/12), no magnífico Grand Palais, em Paris. O convite bordado em ponto cheio seduziu meu imaginário e me levou a mais uma das tantas histórias dos casos da divina Coco Chanel

As coleções Métiers d’Art foram idealizadas para exibir o savoir-faire incomparável dos ateliers de Paris, impulsionados a partir do século 17 por Luiz 14 e sua corte de 3 mil nobres que viviam sob o mesmo teto no palácio de Versailles. Era de rigueur estar finamente trajado diante do rei sol, um dos monarcas de maior bom gosto da História.

Com o evento, a arte de centenas de artesãos anônimos é divulgada, louvada, estimulando aprendizes a abraçar os inúmeros métiers que perpetuam a haute couture de Paris, as roupas mais perfeitas e caras do mundo. Os três pilares que sustentam a alta costura parisiense são: as cerca de 5 mil clientes, o artesanato (les petits mains) e o consumo de produtos de venda em larga escala como cosméticos e perfumes, que trazem reservas para investir no requinte da haute couture.

Se depender de Lagerfeld e da “Chambre de la Conféderation de la Haute Couture” (associação que concentra os fazeres e saberes), dirigida por Didier Grumbach – meu entrevistado duas vezes -, isso não ocorrerá. É a mesma relação do petróleo com o carro, sem combustível fóssil, qual a alternativa? Para salvaguardar o patrimônio inestimável da mão de obra especializada do qual depende, o grupo Chanel (que pertence à família Wertheimer, Pierre Wertheimer se associou a Coco, em 1921, para que ela criasse o Chanel No 5) adquiriu os ateliers parisienses mais importantes – Desrues (bijuteria), Lesage (bordados), Michel (chapéus), Lemarié (arte plumária), Massaro (sapatos), Guillet (flores artificiais) e Goosens (metais) -, que executam trabalhos para Chanel e seus concorrentes.

Por que Bombay?

Lagerfeld não dá ponto sem nó. O kaiser da couture cria links com a pulsante vida da mademoiselle. Por que Bombay? A grife está de olho no mercado da Índia, na estética oriental que fascina o ocidente desde o fatídico 2001, e Mlle Chanel teve uma relação enviesada com Mumbai, antiga Bombaim (Bombay), que vou contar aqui.

Foi em 1920 que Gabrielle Chanel (1883-1971), já em ascensão, teve o primeiro contato com a cultura oriental. Mais tarde, no mesmo ano, ela começaria o caso de dois anos com o compositor russo Igor Stravinsky. O assunto foi tema do filme em “Coco Chanel e Igor Stravinsky”, dir. Jan Kounen (2010), com a bonita e very cool Anna Mouglalis, no papel da mademoiselle (minha entrevistada na Vogue Brasil julho 2010). Com seu charme de musa da Nouvelle Vague, ela assistiu ao desfile Métier d´Art na primeira fila com um look Chanel do Fall/Winter do ano passado.

Grão Duque Dmitri Pavlovich Romanov

O responsável na recuperação do choque que Chanel sofreu com o acidente de carro, um ano antes, que levou seu grande amor Boy Capel (filme “Coco antes de Chanel”, dir. Anne Fontaine, com Audrey Tautou, 2009) foi o bonito Grão Duque Dmitri Pavlovich Romanov da Rússia (1891-1941). O grand monde de Paris concentrava a nobreza russa fugida do comunismo, que buscava desfrutar do meio social de prestígio. Os nobres russos exibiam nomes coroados, traquejo social e carteira vazia. Perderam tudo ao serem rechaçados pelo regime que culminou no extermínio, em 1918, dos Romanov, a família real, parentes do bonitão aqui.

Chanel se tornara benfeitora do grande empresário russo, Diaghilev, que escapou de Lenin e fundou, em Paris, sua companhia, Ballets Russes, um dos fenômenos do mundo da dança moderna. Em sua segunda boutique, em Biarritz – a primeira foi em Deauville-, ela passou a contratar jovens nobres russas para o staff. Estavam falidas. Eram prendadas na fina arte do bordado, educadas, bonitas. E gostavam de circular no poder. Mlle Chanel emprestava vestidos para essas vendedoras-modelos, em troca, conquistavam clientela para a boutique.

Foi uma delas, a Grã Duquesa Marie Romanov, exímia bordadeira de Chanel, quem apresentou a ela seu irmão, um louro alto, belo, de olhos azuis sedutores. Neto do czar Alexandre II e primo em primeiro grau do Nicolau II (último czar da Rússia), o grão duque estava na fila da sucessão, caso a monarquia dos Romanov retomasse o trono russo, coisa que ele jamais acreditou aconteceria. Dmitri era o perfeito playboy. Adorava la bella vita. Sem queda para o trabalho, era extremamente chique e investia no bom gosto com dinheiro alheio. Perfeito para ela.

Coco + Dmitri in love

Atração à primeira vista, Chanel e Dmitri, charmosíssimos, se curtiram durante um ano, em 1920, e continuaram amigos. Ela, uma sef-made woman, 11 anos mais velha, sustentou-o durante o affair e depois, ocasionalmente. Ele, finíssimo, um homme du monde que conhecia até a Índia, deu mais polimento nas arestas da esperta órfã de origem miserável, que teve nos amantes verdadeiros professores. Oposto de Stravinsky (o seguinte amante da lista dela), Dmitri era festeiro. Foi de cara adotado pelo meio frequentado por Coco, virando o novo darling da tribo eclética, libertina. Ele sabia amar e tratá-la como uma lady. Ela não era a primeira amante rica, mais velha, que lhe deu boa vida nem a última. (Ele casou-se com uma herdeira americana de milhões a perder de vista, lógico).

Dmitri introduziu Coco às artes russas que influenciou a moda dela a partir de 1923 com os bordados geométricos da cultura eslava, camisas camponesas com manga sino e faixas bordadas de miçangas na cintura e na testa, em sintonia com o estilo geométrico do Art Déco, predominante nos anos 1920. Com saia no joelho e cabelo curto a altura do maxilar, esse era o símbolo do look da vanguarda, da moderna melindrosa, da “flapper” americana (onomatopaico do som das franjas de miçangas dos vestidos ao dançar o animadíssimo charleston). E da “garçonne” francesa, termo que melhor resume essa mulher travessa, livre, meio garoto, de pouco busto e formas retas, como era o physîque de Chanel, a manequim ideal de suas criações.

Rasputin, Dmitri e o caso com o Príncipe Felix: tártaro, travesti e tarado

Na lista de casos de Dmitri, o mais escandaloso, aconteceu logo aos 21 anos. Nosso louro se deixou seduzir pelo príncipe Felix Yusupov, um bissexual tártaro, bem louco, casado, muito bonito, quatro anos mais velho, que curtia “cross dressing” na intimité. Ou seja, se vestia com roupas do sexo oposto…

Quando veio à tona, Dmitri foi sumariamente cortado da lista de pretendentes de Olga, uma das filhas da czarina Alexandra. Mas pior aconteceu. A imperatriz era obcecada com os oráculos do camponês místico, Rasputin, que exercia total influência sobre ela, aumentando o descontentamento dos conselheiros reais, gerando inimigos ao protegé da rainha. Entre eles, Felix. Em 1916, Rasputin foi assassinado por um complô, no qual Felix figurou entre os mandantes e Dmitri entre os envolvidos.

Paris-Bombay

O Czar Nicolau, eterno apaixonado pela mulher, agora destroçada, queria matar o primo. O futuro lover de Chanel fugiu do país. Ironicamente, a fuga impediu sua execução pelos bolcheviques, a Revolução Russa estava a toda. Ele se escondeu uns anos na India, em Bombaim: Bombay. Em 1919, embarcou em um navio para Londres. Lá, encontrou-se com Felix, e rompeu com príncipe.

O grão duque atravessou o Canal da Mancha, rumou para Paris, depois instalou-se, al mare, em Biarritz, e seduziu la belle Gabrielle “Coco”Chanel…

Chanel Métiers d’Art Pre-Fall collection

Paris-Bombay 2011/12

06/12/11

Grand Palais, Paris

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