Provando os melhores runs do mundo

Tony Cenicola/The New York Times
Permita-me desenhar a cena na sala de degustação: cerca de 20 taças enfileiradas diante de cada cadeira. As cores dos líquidos eram atraentes o bastante, do transparente ao bege, dourado, âmbar e até mesmo âmbar queimado, se me recordo bem de minha coleção de lápis de cor. Ah, e os aromas! Dos copos subia todo tipo de sugestivos perfumes, flutuando para fora e exigindo nossa atenção antes mesmo de estarmos prontos. O efeito cumulativo era um lindo conjunto de manteiga e baunilha, banana e canela e especiarias, fumaça e salmoura, terra e minerais – até mesmo cebola e alho.
Juntos, esses eram os aromas inesperadamente complexos da cana-de-açúcar, conforme revelados pelas mãos dos produtores especializados de ‘runs agrícolas’, o termo oficial para os runs especiais das Antilhas Francesas.
Diferente da maioria dos runs, que são feitos de melaço ou outros subprodutos da produção de açúcar, estes são destilados puramente do caldo fresco da cana-de-açúcar. Embora fosse errado afirmar que esse método gera runs superiores, o rum agrícola é decididamente diferente do tipo comum – em seu melhor, absolutamente cativante.
Recentemente, um pequeno painel de destilados teve o privilégio de provar essas amostras, incluindo 11 runs agrícolas, quatro outros runs fabricados da forma do rum agrícola, e quatro cachaças, o destilado brasileiro de cana-de-açúcar que é um rum com outro nome. Florence Fabricant e eu fomos à degustação com David Wondrich, historiador e autor de coquetéis, e Pete Wells, editor da ‘Dining’ que escreve frequentemente sobre bebidas.
Por que um privilégio? Bem, nos anais do painel de vinhos e destilados, poucas vezes o nível geral de qualidade foi tão alto quanto neste. Em parte, isso aconteceu porque a seleção de runs agrícolas disponíveis é pequena, com muitos exemplos medíocres excluídos pelos importadores ais exigentes.
Além disso, embora a produção da maioria dos runs não seja regulamentada, resultando num verdadeiro faroeste de métodos e padrões, o rum agrícola é um ‘Appellation d’Origine Contrôlée’, denominação com padrões definidos pelas autoridades francesas da mesma forma que o Pauillac, por exemplo, ou o Roquefort. No mínimo, isso exige uma consistência maior do que geralmente se encontra entre runs. Apenas o rum das Antilhas Francesas (principalmente da Martinica) pode ser chamado de rum agrícola.
O rum baseado em melaço é algumas vezes chamado de rum industrial. O termo é injusto, mas transmite a ideia de que seus materiais brutos passaram por uma camada adicional de processamento, frente aos runs de cana-de-açúcar. Isso fica claro nas diferenças básicas entre os dois gêneros. O rum de melaço costuma ser mais frutado, enquanto o de cana-de-açúcar parece mais terroso, mais vegetal e, em certo sentido, 
mais puro.
“Estas são as tequilas do mundo do rum, pois há plantas de verdade ali dentro”, afirmou David durante a degustação. Eu poderia chamá-los de ‘mezcal’ do mundo dos runs, e os aromas rústicos e orgânicos trouxeram à mente os irmãos forçadamente mais vegetais da tequila.
Para nossa degustação, limitamo-nos a destilados mais jovens, colocando um teto de cinco anos de idade para runs e cachaças. Por que incluímos cachaças? Bem, aqui entramos numa área nebulosa que pode eriçar alguns puristas do rum, não fosse pelos efeitos suavizantes de um ou dois daiquiris.
Cachaças são feitas de caldo de cana-de-açúcar, como nos runs agrícolas, embora os métodos de produção possam ser bastante diferentes. Produtores de rum agrícola fermentam o suco fresco logo após sua extração, e produtores de cachaça fervem o suco até um xarope antes de fermentá-lo. Além disso, a cachaça é geralmente destilada a um nível alcoólico mais baixo do que o rum – de 38 a 54 por cento, frente a 70 por cento dos runs agrícolas, que costumam ser diluídos antes do consumo. Legalmente, a cachaça entra na definição americana de rum e é vendida como tal nos Estados Unidos. No Brasil, porém, o rum é definido como sendo feito de melaço.
Além de nosso prazer pela alta qualidade dos runs, todos foram atingidos pelo grau de secura e exigência que eles poderiam demonstrar.
“Eles são misturados e envelhecidos para um paladar de Armagnac, seco, austero e com sabor de nozes”, explicou Dave.
Wells ficou estarrecido com a diferença percebida frente à imagem alegre do rum. “Costumamos pensar no rum como um golden retriever lambendo seu rosto”, disse ele.
Embora a complexidade destes runs fosse evidente, fiquei impressionado por sua intensidade e pureza. Da forma como pareciam capturar as profundezas da cana-de-açúcar, eles me lembraram um bom licor de fruta. De fato, mesmo fazendo excelentes coquetéis, esses runs também são deliciosos de saborear – especialmente aqueles com um pouco mais de idade.
“Eu preferiria beber alguns destes, na varanda numa noite de verão, do que um daqueles runs mais velhos”, afirmou Wells.
Sete dos 11 runs agrícolas entraram em nossos dez melhores, junto duas cachaças e um dos runs de cana-de-açúcar, o Barbancourt Three Stars do Haiti.
Gostamos muito do Barbancourt, nossa garrafa de número 4, que não fomos capazes de distinguir em relação aos runs agrícolas. O classificamos como seco, pungente e deliciosamente complexo – e, por US$ 21, foi avaliado como o melhor custo benefício.
Quanto ao melhor rum, não houve dúvida: La Favorite Ambre, da Martinica, foi claramente o favorito, recebendo uma rara avaliação de quatro estrelas. Era cor de palha, sutilmente escurecido por um ou dois anos em barris de uísque ou bourbon. Esse envelhecimento suave pareceu destacar suas nuances e arredondar suas bordas duras, mantendo a bebida fresca e intensa, uma pura expressão de sutileza da cana-de-açúcar.
O Blanc não envelhecido do La Favorite também entrou em nossa lista como o número 6. Este também parecia apresentar a essência da cana, mas com sabores mais vegetais do que o Ambre.
Como era de se esperar, os runs agrícolas não envelhecidos eram mais brutos do que aqueles com um ano de amadurecimento no barril, e nenhum era mais agradavelmente primitivo do que nossa garrafa número 2, o Duquesne Blanc, que chegou quase ao topo com sua força terrosa. Por outro lado, nossa garrafa número 3, o Clement Rhum Vieux Agricole VSOP, estava entre os de sabor mais antigo, com pelo menos três anos de envelhecimento. Era marrom claro, picante, suave e complexo.
Quanto ao que seria melhor, envelhecido ou pouco envelhecido, é uma questão de gosto. Preferimos o Ambre ao jovem La Favorite, e o Clement mais velho ao Clement Blanc, mas escolhemos o jovem Duquesne frente ao mais elegante Duquesne Eleve Sous Bois. Vai entender.
Não foi difícil identificar as cachaças na degustação. Elas pareciam um pouco mais doces do que os runs, e ofereciam um conjunto distinto de aromas.
Nossa melhor cachaça, na quinta posição, foi a Fazenda Mãe de Ouro, que parecia vir de outro universo, com suaves toques de baunilha doce e um distinto aroma de pão fresco. Diferente, mas mesmo assim encantadora.
Vários de nossos favoritos foram engarrafados a 50 por cento de álcool, muito fortes, embora muitos runs agrícolas sejam consumidos a 55 por cento na Martinica. O drink ti’punch clássico é forte: uma colher de chá de xarope de cana num copo pequeno, esprema um quarto de limão com apenas uma fatia da ‘carne’, e acrescente uma dose de rum de 55 por cento. Mesmo assim, Dave afirmou: “Turistas adicionam gelo. Um verdadeiro morador de Martinica nunca faria isso”.
Longe de mim mexer com a tradição. Mesmo assim, com um copo de rum agrícola numa noite de verão, ainda acho que uma pedra de gelo cairia muito bem.

 http://nytsyn.br.msn.com/estilodevida/provando-os-melhores-runs-do-mundo?page=4

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